Legislação Penal Extravagante: Resumo sobre a Lei de Drogas (atualização semanal)
Resumos fevereiro 25, 2025INTRODUÇÃO
As drogas têm tomado cada vez mais espaço na nossa sociedade de forma avassaladora. Todas as pessoas são direta ou indiretamente afetadas pela ascensão do uso e do tráfico de drogas, seja pelo seu uso ou de um familiar, seja pela onda crescente de crimes que acontecem em decorrência das dívidas que os usuários têm com os traficantes que podem afetar você.
Dentre as soluções para tentar conter o avanço deste problema de saúde pública está na lei e no ordenamento jurídico que vem se aperfeiçoando com o tempo (embora tenha muito o que melhorar ainda) para resguardar o usuário e punir o traficante com o rigor da lei.
Tudo começa pela Constituição Federal de 1988 que prevê algumas medidas de tratamento para como o crime de trafico de drogas, como por exemplo:
- A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem (Art. 5, XLIII, CF);
- Nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei (Art. 5, LI, CF);
- A elaboração por parte do governo de programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins (Art. 227, §3, VII, CF);
- Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei (Art. 243, parágrafo único, CF).
Além dessas previsões da nossa Carta Magna, ainda existe toda a Lei 11.343/2006, popularmente conhecida como Lei de Drogas ou Lei de Tóxicos que foi elaborada justamente para fins de política criminal em combate ao tráfico.
Essa lei trouxe três grandes pilares sobre o tema das drogas. Vejamos:
- Instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas;
- Protegeu o usuário de drogas;
- Estabeleceu as normas de repressão ao tráfico, definindo as condutas criminosas que devem ser punidas pelo Estado.
Dito isso, é importante mencionar que antes da entrada em vigor desta lei, a matéria que regulamenta as drogas era a Lei 6.368/1976 que tinha um tratamento diferente, sendo mais brando com o traficante e mais severo com o usuário.
Dentre as principais mudanças de uma lei para outra temos o apenamento para o crime de tráfico que antes (Lei 6.368) era de 03 a 15 anos de reclusão e o pagamento de multa de 50 a 360 dias-multa e com a lei nova (Lei 11.343) passou a ser de 05 a 15 anos de reclusão e 500 a 1.500 dias-multa (entenda o que é dias multa clicando aqui).
Além desse endurecimento das penas, também sobreveio com a lei nova uma causa de diminuição da pena (popularmente chamada de tráfico privilegiado) onde a pena pode ser reduzida de 1/6 a 2/3 a depender do preenchimento de alguns requisitos.
No ordenamento jurídico brasileiro existe um princípio chamado de irretroatividade da lei, ou seja, lei nova não retroage para prejudicar o réu. Mas quem é estudante ou operador do direito sabe que existe uma exceção: a lei penal não retroage, salvo para beneficiar o réu.
Sendo uma lei parcialmente mais benéfica, ela retroage na parte que beneficia?
O atual entendimento superior dos Tribunais é de que uma lei não pode retroagir somente na parte mais benéfica, sendo que já existe a Súmula 501 do STJ sobre esse tema dizendo que a lei nova (11.343) só retroagirá se ela for integralmente mais benéfica, ficando proibido a combinação de leis em, favor do réu.
Particularmente, acredito que este entendimento ainda irá ser modificado futuramente, não tendo sido ainda por falta de casos concretos que possam ser levados e debatidos nos Tribunais Superiores.
DEFINIÇÃO DE DROGAS
A lei prevê o seguinte quando institui o crime de Tráfico de Drogas: “Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”
São 18 condutas que podem caracterizar o crime de tráfico de drogas, mas fica a indagação: o que é droga?
Se você ler todos os artigos da Lei de Drogas, em nenhum momento ela diz ao leitor o que é considerado droga ou não para fins de punição. Isso no Direito Penal Brasileiro nós chamamos de norma penal em branco.
Norma penal em branco é aquela que “falta alguma coisa para conseguirmos entendê-la”. Ou seja, é aquela norma que literalmente está incompleta e necessita de uma complementação.
No caso da Lei de Drogas a sua complementação necessária é para que saibamos o que é droga, pois para fins de punição dentro da justiça criminal não podemos ter um conceito subjetivo a critério de uma debate sobre o que é ou não droga, sob pena de criminalizar o que quisermos, incluindo a cafeína (rindo de nervoso).
Para regulamentar a o que é droga foi editada a Portaria da ANVISA n. 344, vinculada ao Ministério da Saúde, nesta portaria você encontra TODAS as substâncias consideradas drogas para fins de repreensão criminal.
A título de exemplo utilizo a maconha. A maconha é uma substância considerada ilícita e está sujeita às sanções do art. 33 da Lei de Drogas se utilizada para fins de traficância, no entanto você não encontrará na Portaria da ANVISA o nome “maconha”.
Isso porque, lá estão proscritas as substâncias ilícitas e não os produtos que são feitos com ela. Na maconha se encontra a substância TETRAHIDROCANABINOL (THC) que é descrita como droga na referida portaria.
E assim funciona para todas as demais drogas. Se quiser saber se um produto é considerado droga para fins criminais descubra quais as substâncias existentes em sua composição e após procure na Portaria n. 344 da ANVISA.
O CONCEITO DE DROGAS É INCONSTITUCIONAL?
Existem doutrinadores que entendem que o conceito de drogas, dado através da ANVISA, é inconstitucional e eu partilho deste entendimento.
Para entender esse posicionamento é preciso aprender as classificações das normas penais em branco que podem ser:
- Homogêneas: a norma penal complementar tem a mesma fonte de criação que a norma penal em branco, ou seja, se a norma penal em branco é uma norma ordinária feita pelo Congresso Federal, a norma complementar também tem que ser;
- Heterogêneas: a norma complementar tem fonte legislativa diferente da norma penal em branco. Por exemplo, a norma penal em branco é uma lei ordinária feita pelo Congresso Nacional e a complementar é feita por um órgão administrativo através de uma portaria.
Parte dos doutrinadores entende que o conceito de drogas é inconstitucional, pois a matéria de drogas é uma matéria de politica criminal e no Brasil só quem tem legitimidade para dispor de matéria criminal é o Congresso Nacional, em outras palavras, só quem pode dizer o que é crime ou não, é o Congresso Nacional.
No entanto, a partir do momento que o Congresso diz que tráfico de “drogas” é crime e o conceito de drogas vem de uma portaria administrativa no poder Executivo, está sendo dado ao Executivo o poder de dizer o que é tráfico ou não, portanto estaria violando a competência privativa do Congresso de legislar sobre matéria criminal.
É importante frisar que a matéria criminal seja de exclusiva competência do Congresso Federal, primeiro porque os trâmites são mais públicos, transparentes, demorados e debatidos. Segundo porque qualquer decisão que afete a matéria criminal não pode ficar a mercê de um “canetaço”.
A exemplo, cito que em 7 de dezembro de 2000 a ANVISA editou a resolução retirando da lista de substâncias proscritas o cloreto de etila (presente no que se chama Lança-perfume), porém foi novamente incluído em 15 de dezembro de 200. Nesse intervalo de 8 dias a droga lança perfume deixou de ser considerada droga e todas as pessoas presas e processadas por isso foram absolvidas e tudo isso aconteceu com apenas um canetaço.
Reflita.
SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS - SISNAD
A Lei de Drogas (11.343/2006) instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD) com a visão de combater o tráfico de drogas dando apoio aos usuários e dependentes químicos, bem como disseminar informação para tentar evitar que as pessoas se submetam ao uso de tais substâncias.
O SISNAD tem por finalidade base duas funções: i) a prevenção do uso indevido e a reinserção social dos usuários e dependentes, e ii) a repressão da produção não autorizada e do tráfico de drogas.
Dito isso, a lei estabeleceu um importante sistema de proteção, acolhimento e combate às drogas que tem como membros atuantes o governo federal, os estados e os municípios, ou seja, todo mundo é envolvido (ou deveria) na luta contra as substâncias ilícitas.
O SISNAD dentre outros tem os seguintes objetivos:
- Contribuir para a inclusão social;
- Promover a construção e a popularização do conhecimento sobre as drogas;
- Promover a integração entre as políticas de prevenção e de combate às drogas;
- Dentro desse sistema é necessário que para que ele funciona exista um plano a nível nacional de políticas sobre drogas e nesse sentido o art. 8-D da Lei de Drogas prevê objetivos para este plano nacional. Dentre esses objetivos que estão expresso na lei encontramos:
- Promover a interdisciplinaridade e integração dos programas, ações, atividades e projetos dos órgãos e entidades públicas e privadas nas áreas de saúde, educação, trabalho, assistência social, previdência social, habitação, cultura, desporto e lazer, visando à prevenção do uso de drogas, atenção e reinserção social dos usuários ou dependentes de drogas;
- Viabilizar a ampla participação social na formulação, implementação e avaliação das políticas sobre drogas;
- Priorizar programas, ações, atividades e projetos articulados com os estabelecimentos de ensino, com a sociedade e com a família para a prevenção do uso de drogas;
- Ampliar as alternativas de inserção social e econômica do usuário ou dependente de drogas, promovendo programas que priorizem a melhoria de sua escolarização e a qualificação profissional;
- Promover o acesso do usuário ou dependente de drogas a todos os serviços públicos;
- Estabelecer diretrizes para garantir a efetividade dos programas, ações e projetos das políticas sobre drogas;
- Fomentar a criação de serviço de atendimento telefônico com orientações e informações para apoio aos usuários ou dependentes de drogas;
- Articular programas, ações e projetos de incentivo ao emprego, renda e capacitação para o trabalho, com objetivo de promover a inserção profissional da pessoa que haja cumprido o plano individual de atendimento nas fases de tratamento ou acolhimento;
- Promover formas coletivas de organização para o trabalho, redes de economia solidária e o cooperativismo, como forma de promover autonomia ao usuário ou dependente de drogas egresso de tratamento ou acolhimento, observando-se as especificidades regionais;
- Propor a formulação de políticas públicas que conduzam à efetivação das diretrizes e princípios previstos no art. 22;
- Articular as instâncias de saúde, assistência social e de justiça no enfrentamento ao abuso de drogas; e
- Promover estudos e avaliação dos resultados das políticas sobre drogas.
Esse plano é tão importante para a sociedade que se cumprido e fiscalizado de forma adequada poderá trazer inúmeros benefícios para a sociedade como um todo, mas muito mais para aquelas famílias que diariamente têm intercorrências por causa da droga.
Chamo a atenção para este objetivo do plano: articular programas, ações e projetos de incentivo ao emprego, renda e capacitação para o trabalho, com objetivo de promover a inserção profissional da pessoa que haja cumprido o plano individual de atendimento nas fases de tratamento ou acolhimento.
Fica nítido nesse objetivo que a sociedade falha diuturnamente nos arredores dos centros urbanos ao falhar com emprego, renda, capacitação profissional etc, o que acaba levando - infelizmente - muitos jovens a ter o contato com substâncias psicoativas, seja para fugir da realidade em que vivem, seja para adquirir algum tipo de “status” social, sendo que tais fatores entendo ser o principal problema que leva os jovens ao uso indevido de drogas e que o plano traz de forma objetiva a resolução do problema.
Muitas pessoas também não sabem que a Lei 13.840/2019 trouxe a instituição da semana nacional de política sobre drogas, tendo a seguinte finalidade:
- Difusão de informações sobre os problemas decorrentes do uso de drogas;
- Promoção de eventos para o debate público sobre as políticas sobre drogas;
- Difusão de boas práticas de prevenção, tratamento, acolhimento e reinserção social e econômica de usuários de drogas;
- Divulgação de iniciativas, ações e campanhas de prevenção do uso indevido de drogas;
- Mobilização da comunidade para a participação nas ações de prevenção e enfrentamento às drogas;
- Mobilização dos sistemas de ensino previstos na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, na realização de atividades de prevenção ao uso de drogas.”
O que demonstra, na teoria, a vontade de resolver o problema das drogas no país, o problema é que a lei sozinha não tem efetividade, é preciso que os órgãos responsáveis atuem, em especial, o Ministério Público, fiscal da lei, que muitas vezes sequer sabe da existência desta.
É importante mencionar que existe uma diferenciação entre usuário e dependente, pois aquele faz uso recreativo de forma eventual e controlada e este usa em demasia sem controle da própria vontade trazendo consigo todos os malefícios da drogadição.
Essa diferenciação é de suma importância porque existe a possibilidade de internação como forma de tratamento conforme a Lei 13.840/2019, contudo apenas para o dependente e não para o usuário.
Existe essa diferença porque a internação pode se dar de forma voluntária, mas também de forma involuntária a pedido de familiares ou responsável legal, portanto é de suma importância que apenas o dependente possa assim ser cerceado nos seus direitos.
DOS CRIMES E DAS PENAS
Na Lei de Drogas os crimes estão separados em dois grupos, quais sejam: a) crimes destinados à prevenção do uso indevido e b) crimes destinados à repressão, à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas.
Dentro dessa divisão começaremos pelo crime previsto no art. 28 da Lei de Drogas que trata do consumo pessoal. Embora em recente decisão do STF vincula o entendimento que descriminalizou a posse de maconha para uso pessoal, falarei sobre isso ao final desse tópico, pois o crime continua existindo, por enquanto, referente às outras substâncias ilícitas.
DO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL
A previsão desse crime está lá no art. 28 da LD (Lei de Drogas) que diz o seguinte: Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas.
Prevendo as seguintes penalidades: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade, e III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Com o advento da Lei de Drogas de 2006 onde se afastou a pena privativa de liberdade para o usuário, tivemos um pequeno grande avanço social. Isso pois, o legislador entendeu que punir com prisão o usuário ou dependente de drogas causa problemas muito maiores para a sociedade do que as penas restritivas de direito a ele impostas.
Punir com prisão os usuários e dependentes não traz benefício nenhum para a sociedade, pelo contrário, pois ao serem colocados em presídios junto com traficantes de verdade e outros criminosos fará com que esses indivíduos que já estão vulnerabilizados acabem intensificando o uso e, pior, se tornando “reféns” dos traficantes com quem dividirem cela.
A realidade carcerária do Brasil é triste, pois em vez de serem locais de reinserção social são cada vez mais “escolas do crime” e nessa escola os usuários e dependentes acabam sendo obrigados a estudarem e pegarem seu próprio diploma.
“Ah, mas ninguém é obrigado a nada, é questão de escolha”.
Bom, depende do que você considera questão de escolha, mas uma vez que os presídios são dominados por facções criminosas e não pela força de segurança pública, talvez não se tenha muitas escolhas a tomar para proteger a própria integridade física, em especial, a vida.
Como vimos, o art. 28 possui 5 possíveis condutas para que o crime aconteça:
- adquirir;
- guardar;
- ter em depósito;
- transportar;
- trazer consigo.
Essas são as condutas pela qual o indivíduo que incorrer poderá responder pelo crime. Mas é claro que, não apenas incorrer nessas condutas, mas além delas é preciso que a droga seja para consumo pessoal e que seja sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Veja-se um quadro explicativo:
Se você der check nesse quadro você cometeu o crime do art. 28 da Lei 11.343/2006 (lei de drogas).
IMPORTANTE FRISAR que as condutas são alternativas e não cumulativas, ou seja, não é necessário que o indivíduo cometa as 5 condutas simultaneamente, mas sim apenas uma delas.
Muito se discute no sistema judiciário a natureza jurídica deste fato (posse para consumo), pois se analisarmos as leis de introdução ao Direito Penal podemos perceber que crime é todo aquele fato punido com pena de reclusão ou detenção e contravenção penal são aquelas infrações punidas com prisão simples e/ou multa.
Dito isso, onde se encaixaria o crime de posse para consumo pessoal de drogas se ela não prevê pena de reclusão, detenção ou prisão simples? (aprenda a diferença entre os tipos de prisão clicando aqui).
Existem diversas teorias, mas a mais aceita, até então, é de que se trata de um crime “sui generis”, pois embora não preveja pena privativa de liberdade, ainda assim é um crime que foi “despenalizado”.
Há controvérsias sobre essa classificação porque ele não foi “despenalizado”, pois existe pena, porém são apenas restritivas de direitos e não privativas de liberdade. Há quem diga que houve uma “descaracterização” do conceito de crime, o que me parece mais plausível.
QUEM É A VÍTIMA?
Quem seria a vítima nos crimes previstos na Lei de Drogas? O próprio usuário? Sua família que sofre as consequências desastrosas dos efeitos da droga?
Na doutrina prevalece que a vítima é a saúde pública. Ou seja, todos nós. E isso tem previsão no art. 196 e seguintes da Constituição Federal.
O CRIME DE POSSE PARA CONSUMO GERA REINCIDÊNCIA?
Depende.
O usuário ou dependente “condenado” pelo art. 28 da Lei de Drogas não será considerado reincidente para outros crimes, nem perderá o réu primário.
Porém, se cometer novamente o crime de posse para consumo pessoal será considerado reincidente específico e as penas de prestação de serviço a comunidade e medida socioeducativa terá o prazo máximo de cumprimento dobrado em caso de reincidência.
A pessoa “condenada” pelo crime de posse para consumo poderá cumprir até 5 meses dessas penalidades, em caso de reincidência poderá cumprir até 10 meses.
MAS AFINAL, QUAL O CRITÉRIO PARA DETERMINAR SE A DROGA É PARA CONSUMO PESSOAL OU NÃO?
Essa pergunta é a que mais causa embates entre promotores e advogados pois advém de critérios totalmente subjetivos.
Começa que não existe uma quantidade específica para determinar ser usuário ou traficante (lembrando que falarei ao final sobre a decisão de descriminalização do STF).
A análise deve ser feita sobre os seguintes aspectos:
- Natureza e quantidade da substância apreendida;
- Local e condições em que se desenvolveu a ação;
- Circunstâncias sociais, conduta e antecedentes da pessoa.
Com base nesses três critérios se decidirá se a pessoa é um traficante ou usuário/dependente de drogas. Mas é claro que a análise desses requisitos devem ser feitas de acordo com o caso concreto dentro de um contexto, seja de investigação criminal, seja de prisão em flagrante, pois não se tem uma resposta objetiva e catalogada para classificar uma pessoa como usuária ou traficante ainda que baseado nos tópicos acima. Explico.
Quanto a natureza e quantidade da substância apreendida é preciso entender que não existe um "marco divisor" entre tráfico e uso, ainda que o STF tenha entendido que até 40g de maconha é para uso pessoal (falarei disso ao final) ainda assim é preciso analisar o contexto. Isso porque é comum que usuários assíduos adquiram, por exemplo, 1 ou 2kg de maconha para estocar em casa e usar ao longo do mês, sendo que se abordado e revistado a quantia poderia indicar trafico, mas se trata de um usuário. Outrossim, é possível que uma pessoa abordada e revistada portando 5g de maconha pode ser considerada traficante se o contexto demonstrar, por exemplo, se ela tiver portando balança de precisão, esmurrugador, caderneta de anotações de venda, mensagens no telefone combinando a venda de 5g etc. Esse exemplo se aplica a qualquer tipo (natureza) de droga.
É preciso entender que não basta que Fulano esteja com a quantidade X da droga X, é preciso analisar todo contexto dos fatos para poder entender o que estava acontecendo naquela circunstancia.
Quanto ao local e condições que se desenvolveu a ação é preciso ter cautela ao analisar esse requisito, pois frequentemente é utilizado o local - boca de fumo - como justificativa para prender as pessoas com pequenas quantidades de drogas, mas é evidente que um usuário precisa se deslocar até uma boca de fumo para adquirir a sua droga para consumo pessoal e se for abordado quando estiver saindo do local com a droga recém comprada ainda embalada com dinheiro fracionado do troco aparentará ser traficante, quando na verdade é um usuário que acabou de sair do local da venda. Infelizmente quem trabalha com o dia a dia da justiça criminal se depara com inúmeras prisões (e condenações) nessas circunstâncias.
Quanto as circunstâncias sociais, conduta e antecedentes da pessoa, o sistema judicial pode acabar criminalizando pessoas com base em sua origem, profissão, círculo social ou estilo de vida, e não pela conduta ilícita em si. Isso pode levar a uma discriminação velada, especialmente contra populações vulneráveis, como jovens de periferia.
A inclusão dos antecedentes criminais como critério para diferenciar usuário e traficante também é alvo de críticas e questionamentos quanto à sua constitucionalidade.
A Constituição Federal garante a presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII), o que significa que ninguém pode ser considerado culpado antes de uma condenação definitiva. Além disso, o STF já decidiu que os antecedentes criminais não podem ser usados para fundamentar uma condenação sem outros elementos concretos.
No caso da Lei de Drogas, ao permitir que antecedentes sejam levados em conta na diferenciação entre usuário e traficante, abre-se a possibilidade de que alguém seja enquadrado como traficante não por uma conduta atual, mas por um histórico criminal anterior, o que viola princípios constitucionais.
Outro ponto importante é que o reconhecimento de reincidência ou maus antecedentes só deveria ocorrer após o trânsito em julgado de uma condenação anterior, o que nem sempre é respeitado na prática. Isso pode levar à criminalização baseada em meras passagens pela polícia, sem que tenha havido condenação definitiva, sequer ação penal.
Na prática, esses critérios subjetivos acabam sendo interpretados de forma desigual pelo Judiciário. Um jovem de classe média flagrado com drogas pode ser tratado como usuário, enquanto um jovem de periferia na mesma situação pode ser enquadrado como traficante apenas pelo contexto social em que está inserido.
Além disso, há casos em que a própria jurisprudência reconhece que uma quantidade pequena de droga pode caracterizar tráfico com base nesses critérios subjetivos. Isso gera insegurança jurídica e, muitas vezes, fortalece um modelo de criminalização seletiva.
A utilização de critérios como circunstâncias sociais, conduta e antecedentes criminais para diferenciar usuário e traficante demonstra a permanência de resquícios do Direito Penal do Autor em nosso ordenamento. Isso não apenas contraria o princípio da legalidade e da presunção de inocência, mas também permite distorções na aplicação da lei, atingindo de forma desproporcional populações marginalizadas.
A crítica à inconstitucionalidade do uso de antecedentes nesse contexto reforça a necessidade de uma interpretação que respeite garantias fundamentais e assegure que ninguém seja condenado pelo que é, e sim pelo que fez. Para a defesa criminal, a contestação desses critérios deve ser um dos pontos centrais ao combater acusações de tráfico com base em presunções infundadas.
DO ONUS DA PROVA
No Direito Penal, o ônus da prova segue um princípio fundamental: cabe à acusação provar a culpa do réu, e não ao réu provar sua inocência. Esse conceito decorre do princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal:
"Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória."
No entanto, em processos de tráfico de drogas, esse princípio tem sido frequentemente desrespeitado. Muitas condenações são fundamentadas em uma inversão indevida do ônus da prova, onde se exige do acusado que ele demonstre que a droga era para consumo próprio, quando, na verdade, a responsabilidade de provar o tráfico recai exclusivamente sobre o Ministério Público.
Se existe algum tipo de incerteza quanto a finalidade da droga apreendida com o réu, a dúvida deve favorecer o réu, pois o principio que rege no Brasil é o in dubio pro reo e não o in dubio pau no reo.
A exigência de que o réu prove sua inocência, além de inconstitucional, abre um precedente perigoso. Se essa lógica for aplicada a outros crimes, qualquer pessoa acusada de um delito poderia ser condenada simplesmente por não conseguir provar que não cometeu o ato, quando, na verdade, a regra é que a acusação deve demonstrar a materialidade e a autoria do crime.
No tráfico de drogas, esse problema é ainda mais grave porque muitas condenações ocorrem com base em provas frágeis, como:
- Depoimento exclusivo de policiais, sem outras provas materiais;
- Critérios subjetivos, como local da apreensão e perfil do acusado;
- Interpretação tendenciosa da quantidade da droga, ignorando a realidade do usuário dependente.
Quando o Judiciário exige que o acusado comprove seu próprio consumo, ele está presumindo sua culpa ao invés de exigir que a acusação demonstre o tráfico. Esse tipo de prática viola os direitos fundamentais e resulta em condenações injustas, especialmente contra jovens de periferia, onde a seletividade penal é mais evidente.
CULTIVO DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL
Até agora falamos da posse de drogas para uso pessoal, mas, seguindo essa lógica, é possível plantar maconha para consumo pessoal?
A previsão estão no art. 28, §1º que diz:
"Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica".
Assim como na posse para consumo, a plantação para consumo tem elementos objetivos, elemento subjetivo e elemento normativo. Veja-se:
Para que se enquadre no cultivo para consumo pessoal estes três elementos precisam estar presentes. Frisando que os elementos objetivos são alternativos, ou seja, é necessário apenas um deles estar presente.
As penalidades são as mesmas da posse para consumo pessoal que serão melhor analisadas adiante.
(continua semana que vem)