O silêncio que o CNJ quer impor aos advogados
A frase é da música "Minha Alma", do Rappa, mas poderia muito bem estar esculpida na entrada de qualquer fórum do país:
“Paz sem voz não é paz. É medo”.
O que está em jogo hoje não é só uma mudança de rito processual. O que o CNJ propõe ao querer substituir a sustentação oral por vídeos gravados é, na prática, um ataque silencioso à alma da advocacia. E quando se cala a voz da defesa, o que se instala não é justiça — é medo institucionalizado.
Sustentação oral não é ensaio gravado
A proposta do CNJ de padronizar a sustentação oral em formato de vídeo gravado parece, à primeira vista, uma solução moderna, prática, digital. Mas há uma diferença abissal entre falar com um desembargador presente — olhos nos olhos — e gravar um vídeo genérico para ser ignorado entre uma audiência e outra.
Sustentação oral é embate vivo. É timing. É reação a uma manifestação oral do Ministério Público. É leitura de feição, percepção de hesitação, mudança de rota. Não é roteiro. Não é gravação.
Um vídeo gravado é uma fala congelada no tempo, que ignora a dinâmica real da audiência. E mais: quem garante que será ouvido com a devida atenção? Quem nos assegura que, do outro lado da tela, haverá escuta e não apenas um clique para acelerar a reprodução?
Silenciar a advocacia é calar a Constituição
A advocacia é função essencial à administração da justiça — artigo 133 da Constituição. E essencial significa indispensável, não opcional. Advogado não é enfeite processual. É parte viva do contraditório. Quando o CNJ tenta transformar a sustentação oral em um link de vídeo, ele não está apenas inovando: está silenciando. E silenciar é violar.
A proposta ignora o valor da oralidade, do convencimento construído ao vivo. Um sistema que se propõe democrático não pode temer a voz de quem defende. O Judiciário não pode ser um tribunal de decisões prontas, blindado contra a palavra do advogado.
"Vídeo gravado não é sustentação oral"
A campanha da OAB/RS diz tudo em uma frase. Porque não é mesmo. Vídeo é memória digital. Sustentação é ato presente. Gravar um vídeo não substitui o momento em que a banca ouve, mesmo que por poucos minutos, o argumento humano, o apelo técnico, a última tentativa de virar o jogo.
O problema não é só jurídico. É simbólico. A gravação fria é o sintoma de um Judiciário que se fecha em si mesmo, que não quer ser incomodado, que transforma o processo em mera formalidade. E quando isso acontece, a paz que se proclama é, na verdade, medo. Medo da divergência, medo do confronto, medo do incômodo que a advocacia representa.
Não existe justiça sem voz. Não existe paz onde há silenciamento. Se a sustentação oral for substituída por vídeos gravados, o que resta é um Judiciário surdo, onde a defesa fala sozinha para uma tela e a sentença já foi digitada antes mesmo do play.
Como dizia o Rappa:
“Paz sem voz não é paz. É medo.”
E o medo não pode ser o alicerce da Justiça.