PRECISO DAR A SENHA DO MEU CELULAR PARA A POLÍCIA?

agosto 16, 2022

A resposta resumida: não precisa! Mas é muito importante entender o porquê? 

Atualmente quase a totalidade dos processos criminais tem como base elementos obtidos através do telefone celular e a maior porcentagem são de delitos envolvendo a Lei de Drogas. Tudo isso deve se dar através de um processo legalmente regulamentado, ou seja, através de requerimento ao Juiz de Direito, onde também haverá manifestação do Ministério Público, para que então seja ou não autorizado a quebra de sigilo do conteúdo dos aparelhos celulares. 

Entretanto, algumas situações geram um afã de obter a informação antes desse procedimento, mesmo com o aparelho celular já apreendido ou até mesmo em uma abordagem que as autoridades policiais tendem a denominar de "rotina", e isso acarreta ações para obter o acesso diretamente da pessoa, causando pressão psicológica ou física. Deixamos claro que nem todas pessoas que trabalham nas forças policiais agem dessa maneira, mas se tem notícias diárias de que tais atos acontecessem. E como qualquer ilícito, deve ser coibido, independente de por quem é cometido. 

Sobre esse tema é importante observar que o conteúdo dos aparelhos celulares e suas comunicações são protegidos pela Constituição Federal (art. 5º, CF), haja vista a previsão de proteção de dados e proibição de violação da intimidade, ou seja, ninguém é obrigado a conceder acesso ao aparelho em abordagens, pois o aparelho celular, nos diais atuais, é o maior portador de conteúdos de ordem pessoal, financeira, fiscal etc. E, é claro, mesmo que ordenado pelas forças policiais, não há crime de desobediência sua negativa. Nesse sentido já foram diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça. 

Ampliando tal premissa a 6ª Turma do Superior Tribunal Justiça, ao julgar o habeas corpus n.º 580.664, entendeu que nem mesmo a pessoa intimada, que foi alvo de busca e apreensão autorizada pelo juízo necessita fornecer acesso. Observa-se que o entendimento se coaduna com a materialização do princípio da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere), já citado em outro texto aqui no blog (clique aqui).

Nessa toada também se deve analisar a concessão de senha com vontade viciada, que já foi alvo de debate por parte das Cortes Superiores. Nas situações em que o consentimento é considerado viciado a prova produzida através do acesso é considerada ilegal, além é claro, das demais provas que dela decorrem, por força do art. 157, §1º do Código de Processo Penal (STJ; HC 609.221; Proc. 2020/0220470-0; RJ; Sexta Turma; Rel. Min. Rogério Schietti Cruz; Julg. 15/06/2021; DJE 22/06/2021).

Há correntes que acreditam que deva ser fornecido tal informação com base no art. 6º, III, do Código de Processo Penal, especialmente em situações de flagrante, mas tal norma deve passar pela releitura na ótica constitucional, que é a base do nosso sistema judiciário. Sendo esse entendimento minoritário e não aplicado pelas Cortes Superiores. 

Observamos que a apreensão do aparelho é totalmente lícita, o acesso sem autorização judicial ou vontade livre comprovada pela autoridade policial NÃO É!   

Portanto, as autoridades em geral não podem constranger qualquer pessoa a fornecimento da senha, eis que não é seu dever fornecer o acesso, e desde a vigência da Lei 13.869/19, conhecida como Lei de Abuso de Autoridade, esse constrangimento passou a ser crime, conforme seu art. 13.  

Por: Milena Santos

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