O dia que atendi meu primeiro cliente PRESO

abril 01, 2021

A faculdade de direito, via de regra, não prepara o estudante para a vida prática (às vezes nem à teórica), e aí, quando pegamos nossa vermelinha e vamos à luta começamos a nos deparar com coisas que nunca imaginamos, ou se por algum acaso viemos a imaginar, nunca é bonito e tranquilo quanto imaginamos.

Pergunto a você, caro leitor ou leitora, estas preparado para a prática jurídica?

A maioria dos estudantes de Direito tem amor pelo Direito Penal e almejam trabalhar com isso, pois, é uma matéria legal, interessante, extremamente ampla ao debate, tem o tribunal do júri entre tantas outras coisas.

É bonito, é legal, é interessante. Até você sentar frente a frente com um homicida e ver que ele não tem remorso nenhum do que fez. Até você estar sábado à tarde tomando sorvete e seu celular tocar, você atente e é um preso, gerente de facção, querendo seus serviços. Até você ser chamado na delegacia por um preso sem saber o delito e quando chega, é o maior assassinato da cidade dos últimos anos.

Como agir nessas situações? A faculdade não ensina, cursinho da OAB não ensina, pós graduação não ensina, mestrado e doutorado muito menos. Você aprende isso na prática, sozinho, quando a vida te ensina.

Pois bem, isso tudo eu já passei mas antes, tive que começar por algum lugar, tive que fazer o primeiro atendimento a uma pessoa presa e foi nesse momento que o trem começou a desandar.

Eu tinha 26 anos, 6 meses de formado e 1 mês de carteira da ordem, quando meu chefe entrou na minha sala e perguntou: "Felipe, quer pegar um caso criminal?"

Com apenas um mês de experiência, dois processos cíveis e o escritório não trabalhava com a área crime, mas como eu fazia pós graduação em Direito e Processo Penal pegaram o caso para me oferecer.

Como estava na metade da pós, pensei: "hmmm, dou conta, sou pós graduado, sei quase toda a teoria, então não tem erro".

Ai ai a inexperiência.

Aceitei o caso e fui ao presídio visitar o novo cliente. Minha primeira ida a uma penitenciária, estava muito empolgado, tirei várias fotos no caminho, afinal, meu sonho de estudante era trabalhar com Direito Penal.

Ao entrar no estacionamento para chegar ao presídio em si, é necessário passar pelo anexo do albergue, onde ficam os presos do semiaberto. Primeiro choque de realidade, um espaço minúsculo, sujo, caindo aos pedaços com dezenas de pessoas.

Adentrando no presídio, falei com os agentes e pedi para falar com meu cliente, fui até o parlatório um lugar imundo, destruído, sem iluminação, sem higiene, nada.

obs.: parlatório é aquela sala onde o advogado fica de um lado e o preso de outro e se comunicam por um telefone.

Peguei o telefone, com receio de pegar algumas doenças devido a precária higiene do local, e disse "Bom dia Sr. Fulano, tudo bem?"

Primeira lição, se uma pessoa está presa, "tudo bem" é uma coisa que ela provavelmente não está. Lembrem-se disso.

Perguntei qual era o crime que ele tinha sido condenado, eis que calmamente ele responde: "Esfaqueei uma pessoa, queria mata-lo".

Por mais que a teoria tenha me ensinado que é esse o tipo de coisa que se acontece no Direito Penal, mesmo que seja crime a matéria de estudo e exemplos das atividades. Ainda que a peça da OAB na área crime seja um caso prático em que você faz a petição de defesa, ainda assim, NADA se compara a ouvir de uma pessoa olhando nos teus olhos que ela tentou matar outra pessoa. Pelo menos, não quando se tem apenas 1 mês de carteira da OAB.

Aquela frase penetrou tão fundo na minha alma, passou centenas de milhares de pensamentos em segundos na minha cabeça quando percebi que a ficha realmente caiu.

Agora o negócio é sério, agora é vida real, agora são homicídios de verdade, são casos concretos, são pessoas que excederam as regras de conduta social. Algumas pessoas injustiçadas SIM, se não for a maioria! (e falo isso com tranquilidade). Mas também tem bandido, facção, crime pesado, pessoas más.

E tudo isso, a faculdade não ensina, sequer, da indícios de que pode ocorrer. E quando acontece, quando o destino bate na sua porta e fala "chegou a sua hora, se vira, da seu jeito" você percebe que não tem mais como voltar.

A vida vai bater na sua cara, vai te mostrar coisas que você nunca pensou que poderia um dia acontecer, vai jogar um problema no seu colo e ir embora, você que lute.

No entanto, é isso que faz da advocacia uma bela profissão, que torna o profissional assaz.

Então fique tranquilo, saiba que se você optar pela área criminal, problemas irão aparecer e você não estará preparado, nem saberá resolvê-los e isso é plenamente normal, apenas tenha coragem, pois essa é a única forma de aprender e se destacar na profissão. Assuma riscos, salve vidas da coerção do Estado, mude o mundo. Advocacia criminal não é lugar de aventureiro.

Eu escrevi lá em cima que o meu primeiro atendimento a um preso foi quando o trem começou a desandar, mas isso aconteceu porque foi quando o foguete começou a decolar.

Veja também: Faculdade de Direito vale a pena? COMO DAR CERTO NA FACULDADE DE DIREITO

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