Como funciona um processo crime contra criança ou adolescente? (IMPORTANTE SABER)

dezembro 20, 2020

 

Você provavelmente já se perguntou o que acontece com um adolescente quando ele (a) pratica um crime, não é mesmo?

Até porque, o que mais vemos nas redes sociais e na mídia televisiva é que crianças e adolescentes não cometem crime, ou seja, não respondem pelo Código Penal e com eles "não da nada".

Se você partilha desse entendimento, cautela jovem gafanhoto.

É verdade que o Estado da um tratamento aos menores diferente do que aos maiores de idade, sim. Inclusive com mais garantias e direitos. Porém, tem todo um procedimento bem diferenciado do rito comum do processo crime.

INCLUSIVE.

Muitos advogados não o conhecem! Já presenciei várias gafes de advogados (alguns já bem experientes) por não conhecerem o rito dos processos crime contra adolescentes.

Mas você não cometerá tais equívocos, pois a partir da leitura desse texto você estará 100% apto. Pode confiar.

Pois bem.

A primeira coisa a esclarecer é no quesito nomenclatura, pois, crianças e adolescentes não cometem crimes e sim, atos infracionais. 

Segundo, eles não respondem a um processo crime perante uma vara criminal. Eles respondem a um "procedimento para apuração de ato infracional" perante a vara do juizado da infância e juventude.

Partindo desses pressupostos, vamos passo a passo entender como funciona os procedimentos.

1) O adolescente apreendido em flagrante deverá ser cientificado de seus direitos (art. 106, par. único do ECA) e encaminhado à autoridade policial competente (art. 172 do ECA), com comunicação INCONTINENTI ao Juiz da Infância e da Juventude e sua família ou pessoa por ele indicada (art. 107 do ECA). Caso haja Delegacia de Policia (DP) especializada para adolescentes, deverá o adolescente ser a esta encaminhado, mesmo quando o ato for praticado em companhia de imputável.

Obs: A falta da imediata comunicação da apreensão de criança ou adolescente à autoridade judiciária competente, à família ou pessoa indicada pelo adolescente importa, em tese, na prática do crime do art. 231 do ECA, assim como se constitui crime proceder à apreensão de criança ou adolescente sem que haja flagrante ou ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente ou sem a observância das formalidades legais (art. 230, caput e par. único do ECA).

2) Caso o ato infracional seja praticado mediante violência ou grave ameaça à pessoa, deverá ser lavrado auto de apreensão, com a oitiva de testemunhas, do adolescente, apreensão do produto e instrumentos da infração e requisição de exames ou perícias necessárias à comprovação da materialidade do ato (art. 173 do ECA). Se o ato infracional for de natureza leve, basta a lavratura de boletim de ocorrência circunstanciado (art. 173, par. único do ECA). Necessário jamais perder de vista que na forma do disposto no art. 114 do ECA, a imposição de medidas socioeducativas tem como pressuposto a comprovação da autoria e materialidade da infração.

3) Com o comparecimento dos pais ou responsável (pode ser o dirigente da entidade de abrigo se o adolescente está em atendimento - vide art. 92, par. único do ECA) e o caso não comporte internação provisória, deverá ocorrer a liberação do adolescente (independentemente de ordem judicial) com assinatura de termo de compromisso de apresentação ao MP (art. 174, primeira parte do ECA).

Obs: A regra será a liberação imediata do adolescente, seja qual for o ato infracional praticado, independentemente do recolhimento de fiança (ou seja, a apreensão em flagrante, por si só, não autoriza a manutenção da privação de liberdade do adolescente), ressalvada a "imperiosa necessidade" do decreto de sua internação provisória (conforme arts. 107 par. único e 108, par. único, do ECA).

4) Se o caso reclama o decreto da internação provisória do adolescente (cujos requisitos são: a) gravidade do ato, b) repercussão social, c) necessidade de garantia da segurança pessoal do adolescente ou d) manutenção da ordem pública - art. 174, in fine, do ECA) ou não comparecem os pais ou responsável, deve ser aquele imediatamente encaminhado ao MP, com cópia de auto de apreensão.

5) Se não há flagrante, autoridade policial deverá realizar as diligências necessárias à apuração do fato, encaminhando ao MP, com a maior celeridade possível, o relatório das investigações e outras peças informativas (art. 177 do ECA).

6) O MP procede à oitiva informal do adolescente e, se possível, dos pais, testemunhas e vítimas (art. 179 do ECA).

7) Após a oitiva informal, o MP poderá tomar uma das seguintes providências (art. 180 do ECA):

I - ARQUIVAMENTO: fato inexistente, atipicidade do fato, autoria não é do adolescente, pessoa tem mais de 21 anos no momento da oitiva informal etc.;

II - REPRESENTAÇÃO: dedução da pretensão socioeducativa em Juízo pelo MP (art. 182 do ECA);

III - REMISSÃO: Quando concedida pelo MP, constitui-se numa forma de exclusão do processo. Pode ser concedida em sua modalidade de perdão puro e simples (caso em que independe do consentimento do adolescente) ou vir acompanhada de MSE não privativa de liberdade (devendo ser esta ajustada pelo representante do MP e adolescente - arts. 126, caput e 127, ambos do ECA - maiores detalhes adiante).

Obs: Toda ação socioeducativa é pública incondicionada, e o MP é o seu titular exclusivo, não havendo que se falar em "ação socioeducativa privada" ainda que em caráter "subsidiário" (ou seja, não se aplicam as disposições do art. 29 do CPP e art. 5º, inciso LIX, da CF).

Formalmente, a representação socioeducativa se assemelha a uma denúncia-crime, contendo como elementos: o endereçamento (sempre ao Juiz da Infância e Juventude); a qualificação das partes; a narrativa do fato e sua capitulação jurídica; o pedido de procedência e aplicação da medida socioeducativa que se entender mais adequada (não há pedido de "condenação" nem deve haver a prévia indicação de qualquer medida) e, por fim, o rol de testemunhas, se houver.

Obs: Mesmo tendo sido o adolescente apreendido em flagrante, após concedida a remissão ou promovido o arquivamento, ou mesmo quando, oferecida a representação, não estiverem presentes os elementos que autorizam o decreto da internação provisória, ou apontam no sentido na "necessidade imperiosa" da medida (cf. art. 108, do ECA), o Ministério Público poderá entregar o adolescente diretamente aos pais, mediante termo, independentemente de ordem judicial (valendo lembrar que a regra será sempre a liberação imediata do adolescente - cf. art. 108, par. único, do ECA) 

8) Homologado o arquivamento ou a remissão, a autoridade judiciária deverá determinar, conforme o caso, o cumprimento da medida eventualmente ajustada (vide arts. 126, caput c/c 127 e art. 181, §1º, todos do ECA).

9) Uma vez oferecida (e formalmente recebida) a representação, a autoridade judiciária designará audiência de apresentação, com a notificação (citação) do adolescente E seus pais ou responsável, para que compareçam ao ato acompanhados de advogado, dando-lhe ciência da imputação de ato infracional efetuada (art. 184, caput e §1º, e art. 111, inciso I, do ECA). Se os pais ou responsável não forem localizados, o Juiz designa curador especial ao adolescente (art. 184, §2º, do ECA). Se não é localizado o adolescente, expede-se mandado de busca e apreensão e susta-se o processo até sua localização - ou seja, o adolescente não pode ser processado à revelia (art. 184, §3º do ECA). Estando o adolescente internado, será requisitada sua apresentação, sem prejuízo da notificação de seus pais ou responsável, que deverão estar presentes ao ato (art. 111, VI c/c art. 184, §4º, do ECA). Se o adolescente, apesar de citado, não comparece ao ato, é este redesignado, determinando a autoridade judiciária sua condução coercitiva, expedindo-se o mandado respectivo (art. 187, do ECA).

9.1) Estando apreendido o adolescente, deve a autoridade judiciária decidir acerca da necessidade ou não da manutenção de sua internação provisória, observado o disposto no art. 108, caput e parágrafo único e art. 174, do ECA (a internação provisória somente pode ser decretada em se tratando de ato infracional de natureza grave, após cabal demonstração de sua necessidade imperiosa, nas hipóteses previstas em lei - art. 174, do ECA, devendo ser o adolescente encaminhado para estabelecimento adequado, onde será obrigatória a realização de atividades pedagógicas). O prazo máximo de permanência em estabelecimento prisional (enquanto aguarda a remoção para estabelecimento adequado) é de 05 (cinco) dias, sob pena de responsabilidade, inclusive criminal (arts. 5º e 185, §2º c/c 235, do ECA).

9.2) Comparecendo adolescente e seus pais ou responsável, serão colhidas as declarações de todos (conforme art. 186, caput do ECA - a audiência de apresentação não pode ser confundida com o singelo "interrogatório" do acusado previsto no CPP, indo muito além), podendo ser solicitada a ouvida de profissionais habilitados (se disponível, a própria equipe técnica interprofissional a serviço do Juizado da Infância - cf. art. 151, do ECA, ou os técnicos da unidade onde o adolescente estiver internado).

10) Se não conceder remissão judicial, o Juiz designa audiência em continuação e pode determinar a realização de diligências e de estudo psicossocial (art. 186, §2º do ECA), providência que se mostra imprescindível caso se vislumbre a possibilidade da aplicação de medida privativa de liberdade, dado princípio constitucional da excepcionalidade da internação.

10.1) A partir da audiência de apresentação, se o adolescente ainda não tiver advogado constituído, a autoridade judiciária deverá lhe nomear um defensor (art. 111, inciso III e art. 186, §2º c/c art. 207, caput e §1º do ECA).

11) O advogado constituído ou nomeado deverá apresentar defesa prévia no prazo de 03 (três) dias (art. 186, §3º do ECA), arrolando as testemunhas que tiver e pedindo a realização das diligências que entender necessárias. Como no procedimento para apuração de ato infracional é fundamental a aferição das condições pessoais, familiares e sociais do adolescente, a oitiva de pessoas que o conhecem, ainda que não tenham testemunhado o ato, assume maior relevância que no processo penal.

12) Na audiência em continuação (verdadeira audiência de instrução e julgamento), são ouvidas as testemunhas da representação, da defesa prévia, juntado relatório (estudo psicossocial) de equipe interprofissional, dando-se a seguir a palavra ao MP e ao advogado para razões finais orais, por 20 minutos, prorrogáveis por mais 10, decidindo em seguida o Magistrado (art. 186, §4º do ECA).

13) Estando o adolescente em internação provisória, o prazo máximo e improrrogável para conclusão de todo o procedimento é de 45 (quarenta e cinco) dias, computados da data da apreensão (inclusive) - arts. 108, caput e 183, do ECA.

Obs: Tecnicamente não há que se falar em "condenação" ou "absolvição" do adolescente acusado da prática de ato infracional, devendo a sentença acolher ou não a pretensão socioeducativa.

No primeiro caso, julga-se procedente a representação e aplica-se a(s) medida(s) socioeducativa(s) mais adequadas, de acordo com as necessidades pedagógicas específicas do adolescente e demais normas e princípios próprios do Direito da Criança e do Adolescente (observando-se o disposto nos arts. 112, §1º e 113 c/c 99 e 100, todos do ECA), com fundamentação quanto prova de autoria e materialidade e adequação da(s) medida(s) aplicada(s) - com especial enfoque acerca da eventual pertinência das medidas privativas de liberdade (dadas as restrições e princípios que norteiam - e visam restringir - sua aplicação mesmo diante de infrações consideradas de natureza grave). Como dito anteriormente, apenas para aplicação da MSE de advertência, bastam "indícios suficientes" de autoria e prova de materialidade (art. 114 do ECA).

No segundo caso, julga-se improcedente a representação, não sendo possível a aplicação de qualquer medida (art. 189 do ECA - não configuração do ato infracional - conduta atípica ou acobertada pelas excludentes de antijuridicidade; inexistência do fato ou de provas quanto ao fato; ausência de provas quanto à materialidade; inexistência de provas quanto à autoria).

Intimação da sentença que reconhece a prática infracional e aplica MSE:

Se a autoridade judiciária impõe ao adolescente medida socioeducativa privativa de liberdade (semiliberdade ou internação), a intimação da sentença deve ser feita pessoalmente ao adolescente e ao defensor, sendo que na hipótese do primeiro não ser encontrado, aos pais ou responsável, bem como e ao defensor (art. 190, incisos I e II, do ECA).

Recaindo intimação na pessoa do adolescente, deverá este manifestar se deseja ou não recorrer da decisão (art. 190, §2º, do ECA).

Mesmo que o adolescente diga que não deseja recorrer, o defensor não está impedido de fazê-lo, porém se a manifestação do adolescente for afirmativa, desde logo se considera interposto o recurso, devendo o defensor ser intimado a oferecer as razões respectivas.

Aqui vale abrir um parênteses para destacar o fato de tal permissivo se constituir numa peculiaridade em relação à sistemática estabelecida para o processamento dos recursos interpostos contra decisões proferidas pela Justiça da Infância e Juventude.

Com efeito, por força do disposto no art. 198, do ECA, em todos os procedimentos afetos à Justiça da Infância e Juventude (inclusive é claro os procedimentos para apuração de ato infracional praticado por adolescente), adota-se o sistema recursal do Código de Processo Civil, com algumas "adaptações".

Por fim, resta mencionar que caso a medida socioeducativa aplicada for de natureza diversa das privativas de liberdade (advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida ou medidas de proteção), a intimação pode ser feita apenas na pessoa do defensor (art. 190 do ECA).

A competência para processar e julgar, em grau de recurso, matéria concernente ao Estatuto da Criança e do Adolescente, em razão do disposto no Regimento Interno do Tribunal de Justiça local, é assim definida:

A - O julgamento, em grau de recurso, da chamada "matéria infracional", ou seja, relativa aos procedimentos para apuração de ato infracional praticado por adolescente, é de competência exclusiva da Segunda Câmara Criminal (art. 90-A, inciso II, alínea "i", do Regimento Interno do TJPR);

B - O julgamento, em grau de recurso, das "ações relativas ao Estatuto da Criança e do Adolescente, ressalvada a matéria infracional", é de competência das Décima Primeira e Décima Segunda Câmaras Cíveis (art. 88, inciso V, alínea "b", do mesmo Regimento Interno).

Fonte: Ministério Público do Paraná 


Esses são os passos de um procedimento de ato infracional. Bem diferente né? 

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